Fernando Nogueira é professor da FGV-EAESP, pesquisador do CEAPG – Centro de Estudos em Administração Pública e Governo e presidente do conselho do Instituto Doar.
Márcia Woods é presidente do conselho da ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recurso e assessora da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.
Em meio à pandemia global, muitos têm discutido o papel de governos, empresas e pessoas no combate ao coronavírus. A escala e a urgência da crise colocam em discussão alguns dos pressupostos mais básicos sobre como nos organizamos em sociedade e como agimos para equilibrar direitos e bens individuais e coletivos. Mas há um ator essencial que tem aparecido pouco: onde estão as ONGs nesse debate?
Existem cerca de 300 mil organizações da sociedade civil no Brasil, movimentando dezenas de bilhões de reais em doações de pessoas, empresas e governo em benefício das mais diferentes causas. É um setor marcado, sobretudo, pela diversidade: de tamanho, de escala de atuação, de formas e estratégias para atingir suas missões, de mistura entre trabalho profissional e voluntário. Temos desde poucos e grandes hospitais filantrópicos até um grande número de pequenas associações comunitárias, além de ONGs ambientais ou de defesa de direitos humanos. Esse grande tecido muitas vezes chega onde o estado e as empresas não conseguem, complementa a ação das políticas públicas, dá voz às mais diferentes populações e também atua para fiscalizar o comportamento do estado e do mercado. Nesse momento de crise do coronavírus, também não tem sido diferente. Nos últimos dias temos visto uma mobilização impressionante, das ONGs organizando ações emergenciais e da sociedade em apoio doando generosamente.
Pelas suas características, as ONGs são fundamentais neste momento de crise: tem know-how, legitimidade, capacidade e capilaridade para receber e distribuir doações e entregar serviços aos afetados desta pandemia, como vemos em alguns poucos exemplos. As 2.100 Santas Casas e hospitais filantrópicos no Brasil atendem mais de 54% da demanda do SUS, e neste momento estão na linha de frente tratando dos afetado pelo Covid-19. Grande número de ONGs atuam em comunidades de baixa renda, levando serviços assistência social e educação complementar a famílias que estão sendo duramente atingidas com o fechamento de escolas, comércios e serviços.
Temos ainda as que advogam por causas e grupos específicos, pressionando o poder público e convocando a sociedade a olhar a temas negligenciados. Dois breves exemplos: o IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa questionou o poder público sobre as condições precárias dos presos no Brasil e do potencial devastador do coronavírus nesse cenário, cobrando medidas e propondo alternativas. Uma rede de dezenas de organizações mobilizadas pela Open Knowledge Brasil lutou para o governo federal rever um decreto que reduzia consideravelmente obrigações e práticas de transparência pública, conseguindo após alguns dias reverter a medida.
É certo que as ONGs também vem sofrendo as consequências desse momento difícil. A luta diária pela mobilização de recursos se torna ainda mais desafiadora. O atendimento direto a públicos específicos – como moradores de rua, doentes crônicos, pessoas com deficiência – dificilmente é adaptável para um modelo virtual. Como lidam com a ponta da desigualdade brasileira, essas organizações também são testemunhas diretas de como problemas tradicionais se somam aos novos desafios. A saúde mental de quem trabalha ou atua voluntariamente na área também tende a piorar, com efeitos no curto e no longo prazo.
Mas é também nos momentos de crise em que o setor consegue mobilizar um tipo espontâneo de solidariedade e generosidade. Exemplos não faltam, tanto na infraestrutura quanto na ponta: a Comunitas iniciou um campanha para arrecadar R$4,2 milhões para doar 60 respiradores para hospitais de rede pública do Estado de São Paulo. Após quatro dias de campanha, R$23,5 milhões foram arrecadados e 345 respiradores serão doados. Já a Ação da Cidadania, tradicional ONG fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, começou a distribuir em 25 de março 40 toneladas de alimentos arrecadados com parceiros para famílias afetadas no Rio de Janeiro. Agora estão também captando via a plataforma de crowdfunding Benfeitoria e têm como meta levar alimento e kit higiênico a comunidades em 20 estados brasileiros.
Em levantamentos preliminares, a filantropia brasileira já está perto de levantar quase R$ 500 milhões para respostas à epidemia. As principais iniciativas de institutos, fundações e empresas estão sendo mapeadas no site EMERGÊNCIA COVID-19.
Convidamos os leitores a também pensar no que podem fazer nessa situação. Uma primeira e fundamental ação é doar! Pessoas físicas doam cerca de R$ 14 bilhões por ano. Temos o desafio de manter ou aumentar esse número ano: as necessidades e demandas sociais certamente não diminuíram. Outra opção é buscar oportunidades de voluntariado – um ótimo jeito de ocupar tempo e mente nesses dias estranhos. Há oportunidades virtuais, online, por exemplo, na plataforma Atados e também iniciativas locais, ajudando sua própria comunidade, como a Iniciativa Vizinho do Bem. Finalmente, podemos ajudar a divulgar essas e tantas outras iniciativas para conhecidos: notícias boas também importam!
Esta crise é diferente de qualquer coisa que já vivemos em tempos recentes Além de manter as mãos limpas e praticar o isolamento social, precisamos também pensar com atenção o futuro do nosso país. O senso de emergência passará mas os efeitos para o Brasil serão tão ou mais profundos que a crise sanitária, com seu impacto para além das muitas vidas perdidas. Serão milhões de pessoas desempregadas, o possível aumento da violência, inclusive doméstica e para crianças, além de outros aspectos difíceis de antecipar. Precisamos nos manter solidários, acompanhar e apoiar de forma recorrente os trabalhos das ONGs para que consigam, junto com governos e empresas, lidar com o pós-crise.
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Fonte: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/ongs-no-brasil-solidariedade-em-tempos-de-coronavirus/
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