A baixa visão e posterior cegueira decorrentes de uma doença degenerativa da retina não impediram o sociólogo Fernando Botelho de construir uma carreira internacional bem-sucedida. Com apoio da família, que sempre procurou tecnologia de ponta para ajudá-lo nos estudos, Botelho graduou-se e fez mestrado nos Estados Unidos. Trabalhou na Unctad, agência da ONU em Genebra destinada a promover o desenvolvimento pelo comércio exterior, e também foi diretor do Banco UBS, em Zurique, em atividades ligadas à redução da pobreza e apoio à filantropia. Quando morou em Nova York, no fim da década de 1990, desenvolveu uma comunidade virtual com foco no desenvolvimento de pessoas com deficiência visual e cegueira, o eSightCareers.net, com mais de 3.000 membros.
O espírito empreendedor e a vontade de criar um negócio que possibilitasse a outras pessoas com deficiência visual as mesmas oportunidades de aprendizado e trabalho que trouxeram Botelho de volta ao Brasil, há cinco anos. Com a mulher, Flávia de Paula, ele fundou em Curitiba a F123, um negócio social que tem como premissa o desenvolvimento de um software de leitura para deficientes visuais de custo acessível. A empresa oferece no mercado um pacote que inclui a assinatura anual do software (disponível em português, inglês e espanhol), capacitação online, atualizações e apoio técnico por um custo anual da ordem de R$ 250. Com uma base de 1.000 assinantes – alguns deles em países como Uruguai, El Salvador e Zâmbia – a F123 hoje enfrenta o desafio de ganhar escala para tornar seus programas ainda mais acessíveis. A meta de Botelho é baixar em 50% o custo da assinatura anual de seus softwares e ganhar ainda mais abrangência. Oferecer o software para todas as escolas públicas brasileiras é outro desejo.
“Ainda somos uma startup e temos um longo caminho a percorrer para ganhar escala e beneficiar mais gente. Mas eu consegui realizar meu sonho, que sempre foi ter um negócio que melhorasse a vida das pessoas”, diz Botelho. Embora ainda seja uma empresa embrionária, a F123 já recebeu vários prêmios e começa a se destacar em sua área de atuação. Um deles, em 2012, foi o prêmio Empreendedor Social de Futuro, uma iniciativa da suíça Fundação Schwab, em parceria com a “Folha de S. Paulo”.
A trajetória de Fernando Botelho e sua F123 ilustra um movimento que começa a se consolidar no Brasil: o dos negócios sociais. São empresas que visam o lucro como qualquer outra, mas se diferenciam por desenvolver produtos ou serviços que ajudem a transformar a realidade de pessoas pobres. Geralmente atuam em áreas com carências estruturais, como saúde, educação, habitação, tecnologias inclusivas e acesso a crédito. Outra premissa dos negócios sociais é reinvestir os lucros na própria empresa, para impulsionar seu alcance social. Em alguns casos, parecem ONGs – mas não são.
“A fronteira entre ONG e negócio social às vezes é mesmo tênue”, diz Maure Pessanha, diretora executiva da Artemísia Negócios Sociais, uma incubadora, com atuação no Brasil desde 2004. A cada semestre, a Artemísia faz a seleção de 10 empreendimentos sociais, que passam a receber treinamentos para impulsionar seus negócios.
Um deles é o Instituto Movere, de São Paulo, que há nove anos atua na prevenção e combate à obesidade em crianças e adolescentes. Fruto da observação da especialista em nutrição e doutora em ciências da saúde Vera Lúcia Perino Barbosa, que começou a perceber que as crianças e adolescentes de baixa renda estavam engordando, o Instituto Movere presta atendimento nas áreas de nutrição, psicologia, educação física e fisioterapia. Começou como empresa, mas se dividiu em um braço de atendimento privado e o instituto propriamente dito, que presta atendimento gratuito.
Os atendimentos são realizados no bairro de Artur Alvim, na zona leste de São Paulo. Quem pode pagar pelos serviços tem direito a valores subsidiados – desembolsa em média 50% do valor cobrado por uma consulta com nutricionista. Isso ajuda o instituto a manter o atendimento também para quem não pode pagar pelos serviços.
“Começamos como empresa privada, mas logo percebemos que o forte de nossa atuação é o caráter social. Então, a saída foi combinar as duas coisas, gerando diferentes fontes de receita”, explica Ivo Carlos Mortani Barbosa, diretor administrativo do Instituto Movere.
Alcançar a sustentabilidade financeira é desafio para os negócios sociais no Brasil, onde o conceito é pouco conhecido e ainda desperta a desconfiança dos agentes financeiros tradicionais. Um dos modelos mais bem-sucedidos é o Grameen Bank, de Bangladesh, que concede microcrédito a mulheres de baixa renda. Idealizado pelo economista e Nobel da Paz Muhammad Yunus, em 1976, o Grameen se tornou um conglomerado dos negócios sociais: o banco já concedeu mais de US$ 5 bilhões em microcrédito e deu origem a 19 empresas, em ramos tão variados.
“Yunus foi a primeira pessoa a mostrar que é possível ter resultado financeiro ao atender as demandas sociais de uma comunidade, de um país”, afirma o indiano Dhaval Chadha, um especialista em negócios sociais radicado no Brasil e sócio da Pipa, empresa que atua no ramo de “aceleração” desse tipo de empreendedorismo – auxiliando empresas sociais a caminhar com suas próprias pernas.
Com sede no Rio de Janeiro, a Pipa busca empreendedores sociais em nichos como inclusão social (áreas de saúde, educação, trabalho, inclusão digital), meio ambiente (água, energia, lixo, tecnologias verdes) e outros negócios como geração de renda, financiamento e sistemas colaborativos.
A incubadora nasceu como um braço para negócios sociais da Cria Global, empresa que presta assessoria em inovação e sustentabilidade para grandes grupos como Natura, TIM e Coca-Cola. “Começamos a trabalhar esses temas com as grandes corporações, mas sempre quisemos fomentar empreendedores sociais desde seu nascimento”, conta Chadha.
Adaptado de http://saudebusiness.com/noticias/qual-a-diferenca-de-ongs-e-empresa-com-impacto-social-o-exemplo-da-f123/
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