São poucas as entidades que se utilizam de recursos internacionais. E as que usam, fazem isso há muitos anos. Parece que, como castigo, são justamente essas que estão com problemas de financiamento hoje em dia. Mas isso tem um motivo.
Nos anos oitenta e até um pouco antes, nos setenta, algumas dezenas de instituições foram criadas no Brasil. Vários ativistas que criaram essas ONGs conseguiram recursos com fundos internacionais. Tais fundos eram prioritariamente vinculados à igreja e a grupos progressistas. Eram entidades canadenses, suecas, alemãs e holandesas, em sua maioria. Os recursos que tinham eram provenientes das famílias que doavam seus trocados nas missas de domingo nos respectivos países. Mal sabiam elas que parte de seu dinheiro vinha parar na América Latina. Esse período foi bastante pródigo de iniciativas de empoderamento popular. ONGs criavam grupos de alfabetização de adultos, formação de sindicatos, criação de associações comunitárias… Foi um trabalho excelente, mas faltou outro pedaço, o da busca de aliados.
Essas ONGs recebiam esses recursos como se fosse um crédito a fundo perdido. Foram acomodando ‐se nessa situação. As fundações pediam basicamente relatórios e mais propostas com novos projetos.
Como tudo na vida muda, esse modelo mudou. As fundações internacionais, pressionadas pelos stakeholders, pessoas envolvidas direta ou indiretamente com elas, passaram a exigir relatórios menos subjetivos
e mais quantitativos. Pediam também que nesses relatórios constassem estratégias de complementação de recursos.
As ONGs começaram a desesperar-‐se. “Como assim complementar recursos? Nós nos dedicamos a alfabetizar adultos, não a buscar dinheiro!”, diziam várias. Depois as fundações passaram a oferecer recursos para projetos somente se as ONGs mostrassem como contrapartida a obtenção de ao menos uma parte desses recursos. Então as ONGs começaram a fazer um mix: Pediam para uma fundação alemã e outra canadense. Para uma prometia que a outra já havia garantido a doação, e vice versa.
Neste começo de milênio a coisa está assim: Muitas fundações passaram por uma espécie de “fusões e aquisições”, como nas grandes empresas. Três ou quatro fundações alemãs viraram uma única fundação. Os holandeses associaram suas contribuições ao mecanismo governamental de cooperação internacional transformando-se em uma espécie de entidade paraestatal. E por aí vai. Deste lado do oceano as ONGs brasileiras estão buscando alternativas de financiamento e aprendendo, tardiamente, que existem outras fontes.
As fundações internacionais estão também deixando de apoiar os projetos brasileiros, algumas inclusive fechando seus escritórios aqui. Dizem, e eu concordo com elas, que já somos um país que pode contar com recursos próprios para as causas sociais. Viramos gente grande.
Algumas ONGs morreram na praia, outras viraram uma coisa
completamente diferente do que eram antes. E umas dezenas de sobreviventes
estão ainda perplexas por não terem visto como o mundo mudou.
Por que esse histórico torna-se importante pra você? Porque você está em uma situação privilegiada. Primeiro não passou por essa situação de ficar mal acostumado com recursos externos. Segundo porque aprendeu que é importante diversificar recursos. Então, contar com recursos internacionais, sabendo que será uma parcela das suas necessidades, é uma situação confortável em uma negociação com alguma fundação internacional.
No seu caso, recomendo que faça uma pesquisa na web. Saiba que existem sites que informam com bastante clareza quais as datas para solicitação, qual o modelo de formulário, qual o foco da fundação, etc.
Uma das maiores vantagens de se trabalhar com recursos internacionais é que a negociação é muito mais clara do que com nós mesmos, os brasileiros. Nós não sabemos dizer não, os gringos sabem. E isso não dói para eles e devemos aprender a não doer para nós quando ouvirmos. Da mesma forma que os “nãos” são categóricos, os “sim” são exatos. Isso é maravilhoso para um captador.
Em geral, não há muito espaço para diálogo quando pedem que você envie um formulário explicando o projeto. Afinal, são algumas centenas, às vezes milhares de proponentes. Mas há alguns que permitem uma conversa. Isso fica claro na página da fonte internacional.
Uma dica que ajuda na aprovação é você mostrar que conseguirá autonomia após o término do projeto. Eles estão com certo trauma de ter enviado milhões de dólares e euros para o Brasil nas últimas décadas e isso não ter gerado desenvolvimento institucional. Se você tem um projeto de 300 mil em 3 anos, mostre que precisa de 190 mil. E usará 100 mil deles no primeiro ano. 60 mil no segundo (pois conseguirá outros 40 mil com terceiros). 30 mil no terceiro (pois conseguirá 70 mil com terceiros). Essa lógica mostra maturidade institucional e gera confiança para o parceiro internacional.
Existem novos mecanismos surgindo. Bem interessantes por sinal.
Na Europa, existe uma legislação criada no âmbito na União européia que define que os orçamentos europeus devem dedicar 0,7% de seus recursos para a cooperação internacional. O bom disso é que essa lei desce em cascata até os municípios. Desta forma você pode, por exemplo, fazer uma parceria com uma cidadezinha no interior da França e obter dela 0,7% do seu orçamento. Muitas cidades italianas têm feito isso. Outra possibilidade é você buscar uma ONG européia e ficarem amigas. As ONGs lá têm uma quantidade significativa de possibilidades, editais, concursos, etc. Busque aliar-se com gente que tem mesmos valores e visões de mundo. Se isso não ocorrer, vai haver aí uma relação de desigualdade.
Nos EUA existe um mecanismo de incentivo fiscal para determinado tipo de ONG. Ele permite que as doações para ONGs que tenham essa certificação possam ter incentivos fiscais. Até aí, isso não nos diz nada certo? Mas agora existe um belo aliado que ganhamos. A Brazil Foundation é uma entidade americana formada por brasileiros. Além de apoiar projetos brasileiros com recursos provenientes de seu próprio fundraising em solo americano, essa entidade tem também o selo que permite ao doador americano sua dedução para a entidade.
Isso tem permitido, ainda de forma incipiente, que empresas americanas ou mesmo brasileiros residentes nos EUA possam doar para a Brazil Foundation e esta repassa os recursos para sua entidade, através de um acordo simples, contendo os custos financeiros dessa operação.
Porque eu acho essa operação interessante? Porque acredito que estamos começando a desenvolver um novo mecanismo de financiamento: o “fundraising de diáspora”. Imagine a quantidade de brasileiros bem de vida que moram no exterior e que poderiam doar recursos para sua entidade, já que querem um país melhor do que quando o deixaram?
Muitos mexicanos moradores dos EUA já fazem isso, repatriando recursos para suas cidades‐natal e em alguns casos esses recursos são quase do tamanho dos orçamentos municipais dessas pequenas vilas.
A sua ONG recebe ou já recebeu recursos internacionais?
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Fonte: Adaptado de Marcelo Estraviz, Um Dia de Captador.
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