Historicamente, o direito às férias no Brasil tem menos de 100 anos. Foi só em 1925 que o país contou com uma legislação estipulando o direito ao descanso remunerado – e de apenas 15 dias. As mudanças na lei trabalhista, que entram em vigor em novembro, não alteram o atual direito a 30 dias de descanso remunerado após 12 meses de trabalho.
O que muda após a reforma trabalhista é a possibilidade de dividir as férias em três períodos, sendo que um deles deve ser de no mínimo 14 dias e os demais não podem ser inferiores a cinco dias. Hoje, as férias podem ser divididas em dois intervalos desde que nenhum deles seja menor do que dez dias.
A nova lei permite ainda que empregados e patrões negociem a troca do dia do feriado. Dessa forma, feriados que caem no meio da semana poderão ser deslocados para a segunda ou sexta-feira, emendando com o fim de semana.
Advogados trabalhistas ouvidos por pela revista Veja veem avanços nas mudanças e acreditam que elas são benéficas para empregados e empresários.
“Quem define se quer tirar 30 dias ou parcelar as férias é o trabalhador, que terá autonomia para decidir se quer um único período ou três. Ele vai decidir com base no que é mais proveitoso para a sua realidade”, afirma o advogado trabalhista Maurício Corrêa da Veiga, da Corrêa da Veiga Advogados Associados.
Segundo o especialista, a empresa ganha segurança jurídica de que o parcelamento das férias não vai ser questionado depois na Justiça. “A lei atual impede a empresa de parcelar em três. Mas se um funcionário insistir muito e ela dividir em três há o risco dela ser multada depois pela fiscalização”, diz Corrêa da Veiga.
Para Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio do escritório Peixoto & Cury Advogados, o parcelamento em três períodos dá às empresas a possibilidade de organizar melhor a substituição do funcionário que estiver em férias.
“Uma coisa é ter um empregado ausente por 30 dias, outra é por 14 ou 5 dias. Posso cobrir esse funcionário sem ter que recorrer à contratação de temporários”, afirma Dantas Costa.
A diretora executiva jurídica da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Luciana Nunes Freire, diz que o trabalhador não poderá ser obrigado a repartir as férias. “O parcelamento só pode ocorrer com a concordância do empregado. Não vai ter nenhum tipo de prejuízo, pois o empregado também tem que querer.”
Na opinião dela, haverá interesse por parte dos funcionários de parcelar as férias. “Temos uma concepção familiar diferente hoje, o trabalhador quer passar mais tempo em casa. As famílias poderão se organizar para tirar férias nas férias de julho, Natal e outro período do ano.”
Uma questão de saúde
De acordo com especialistas, o direito às férias está diretamente ligado à saúde e segurança do trabalhador. O professor Esdras Guerreiro Vasconcellos, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), diz que a falta de descanso pode causar o “burnout”, um conceito para explicar a exaustão profissional.
“O indivíduo precisa do repouso tanto do ponto de vista biológico quanto psicológico. Pessoas que não tiram férias são suscetíveis ao ‘burnout’, uma característica semelhante ao pânico e a depressão, que se caracteriza pela falta de pique, motivação e entusiasmo”, afirma.
Fernanda Passoni de Oliveira, pesquisadora na área de psicologia social e do trabalho, diz que o estresse na ocupação é considerado uma epidemia e as condições do ambiente podem fazer com que o quadro se agrave. “Quanto menor o controle no trabalho, mais risco de estresse vai ter. E se não tirar férias, essa percepção vai ficar mais poderosa”, diz.
Nivaldo Santana, secretário de relações internacionais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), alerta para o risco de parcelamento das férias interferir na saúde dos funcionários. “Estudos dizem que o trabalhador consegue recuperar seu desgaste físico e mental depois de um período prolongado de férias.”
Para a advogada trabalhista Juliana Crisostomo, do escritório Luchesi Advogados, o período de 14 dias é suficiente para a higiene mental. “O objetivo final das férias é fazer com que o empregado tenha um descanso físico e mental, além de social. Você consegue fazer isso em 14 dias. A forma como a legislação foi escrita garante essa questão de manutenção de saúde do trabalhador e dá a ele a oportunidade de fracionar esse período.”
Período de férias
O Brasil é um dos países signatários da convenção 132 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que especifica que o período de férias não deverá ser inferior a três semanas de trabalho – o equivalente a cerca de 20 dias consecutivos.
No Brasil, o período de 30 dias consecutivos de descanso remunerado está determinado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Há países, como França e Reino Unido, em que o descanso é calculado em dias úteis (de segunda a sexta-feira). São 30 dias úteis na França e 28 no Reino Unido. Na prática, o período de férias desses países é maior do que no Brasil – aqui seria o equivalente a 22 dias úteis, em média. Por outro lado, há nações que não possuem uma legislação específica de férias, caso dos Estados Unidos.
O primeiro país a criar uma lei garantindo o direito às férias foi a Inglaterra, em 1872. O segundo foi a Áustria, em 1919. “Fomos o sexto país a contar com uma lei específica. Mas antes da legislação própria sobre o assunto, em 1889, trabalhadores do Ministério da Agricultura já tinham direito às férias”, conta Corrêa da Veiga.
Para Dantas da Costa, a determinação de que as férias durem 30 dias tem relação com a praticidade. “Trinta dias equivalem a um mês. É fácil contar que a cada 12 meses de trabalho, você tem um de descanso.”
VEJA ABAIXO O PERÍODO DE FÉRIAS EM ALGUNS PAÍSES
FRANÇA: 30 dias úteis
REINO UNIDO: 28 dias úteis
NORUEGA: 25 dias úteis
SUÉCIA: 25 dias úteis
ALEMANHA: 24 dias úteis
BRASIL: 30 dias consecutivos (equivale a 22 dias úteis, em média)
BÉLGICA: 20 dias úteis (para quem trabalha cinco dias por semana)
24 dias úteis (para quem trabalha seis dias por semana)
AUSTRÁLIA: 20 dias úteis
COREIA DO SUL: 15 dias úteis (o trabalhador ganha um dia a mais de férias a cada dois anos de trabalho depois do primeiro ano; pode chegar a 25 dias úteis)
ARGENTINA: 14 dias consecutivos (para funcionários com até cinco anos de empresa)
21 dias consecutivos (para funcionários que estão na mesma empresa entre cinco a dez anos)
28 dias consecutivos (para funcionários que estão na mesma empresa entre dez a 20 anos)
35 dias consecutivos (para funcionários que estão na mesma empresa por mais de 20 anos)
JAPÃO: 10 dias úteis (ganha um dia a cada ano trabalhado na mesma empresa; pode chegar ao máximo de 20 dias)
CHINA 5 dias úteis (para pessoas que têm trabalho acumulado de um a dez anos)
10 dias úteis (para pessoas que têm trabalho acumulado de dez a 20 anos)
15 dias úteis (para pessoas que têm mais de 20 anos de trabalho acumulado)
ESTADOS UNIDOS: Não há uma lei que garanta um mínimo obrigatório de férias
Fonte: Revista Veja (http://veja.abril.com.br/economia/reforma-o-que-muda-nas-ferias-e-por-que-elas-duram-30-dias/)
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