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O DESABAFO DE UM CAPTADOR DE RECURSOS

captador de recursos

O DESABAFO DE UM CAPTADOR DE RECURSOS

Estou na frente da Márcia. Como sempre faço em qualquer reunião, chego 5 minutos antes para poder conversar algo com as secretárias. A Márcia é ótima, super animada, mesmo nesta hora. Eu não funciono muito bem de manhã e ela sempre é uma injeção de ânimo. Pergunto da Bárbara, filhinha dela, com uns 5 anos. Soube da Bárbara pela foto no porta retrato em cima da mesa dela. Isso faz uns 2 anos, logo que entrei na ONG.Na primeira reunião que tive o Antonio cheguei uns 15 minutos mais cedo (era uma primeira reunião e eu estava obviamente nervoso como sempre ficamos em primeiras reuniões). Com tempo de sobra, pude conversar com a Márcia um pouco mais e com isso ir conquistando uma nova aliada. Ela estava séria, como convém a uma secretária se você não a conhece. Respondeu com monossílabos a cada uma das 3 ou 4 perguntas que fiz, todas bastante genéricas, o tempo, o calor, o trânsito. Na sequência, como toda secretária está habituada a fazer, me ofereceu café. Enquanto estava distraída pedindo café pelo telefone, levantei‐me para olhar pela janela. Faço sempre isso, me distrai e acalma. Aproveitei para fazer uma trajetória sutil que me permitia olhar sua mesa pelo mesmo ângulo que ela. Vi uma foto dela com uma criança. Sem querer brincar de espionagem aqui, poderia garantir que ela era, ou mãe solteira ou separada. Uma casada coloca as fotos dos filhos junto com o marido. Ou só dos filhos. Uma foto com ela própria e sua filha é seu sentido de fortaleza, é a crença que ela tem para olhar todo dia, emoldurada no porta­‐retrato. E nos momentos que o trabalho está cansativo ela olha para a foto e relembra o porque de estar ali.


Não seria esperto se perguntasse se ela é separada. Além de deselegante,soaria a cantada. Meu objetivo era criar um link. Então parti para a criança. “É sua filha?” ela disse que sim, ainda seca, mas já me olhou nos olhos. “Eu também tenho uma menina, se chama Luisa. E a sua, como se chama”. “Bárbara!” disse na sequência, já com um sorriso. E completou “Uma peste… se não fosse minha mãe me ajudar…” Eu estava confirmando o que previ, mas não era hora ainda. “… desde que engravidei de um namorado que sumiu, minha mãe me ajuda com a criação da Bárbara”. Bingo. Começava uma relação de confidências.Hoje estes 5 minutos antes da reunião foram quase insuficientes. Márcia estava me mostrando desenhos da Bárbara quando o Antonio chegou na empresa já pedindo desculpas. Eu dizia a ela que a minha Luísa é uma desenhista super criativa. Dois babões lambendo as crias. Dois amigos. Ao entrar na sala do Antonio vi sua mesa cheia de coisas. Mau sinal. Antonio, além de organizado, gosta de manter sua mesa limpa,combinando com a decoração de toda a sala, de muito bom gosto. Pediu para sentar-­me e ofereceu café. Neguei, pois a Márcia já tinha me oferecido e tomei de muito bom grado vendo os desenhos da Bárbara.Ele pediu um café para a Márcia, pelo interfone, de um jeito meio seco. Outro mau sinal. Antonio é um cavalheiro. Algo estava errado naquele dia. Seria uma negociação difícil… Pensei até em cancelar a solicitação nova,de quase o dobro do patrocínio habitual. Mas já era tarde, já tinha a solicitação pronta, nominal a ele, com logo da empresa. Ele doava 25 mil reais por ano e eu pretendia pedir 40. Seria uma negociação difícil…Vi que ele olhou aquela mesa cheia de documentos com enfado. Separou algumas coisas, empilhou outras e deixou um espaço livre entre nós dois.


Bom sinal. Estava disposto a ouvir. Já fui em reuniões onde eram tantos os documentos que mal se via o empresário do outro lado da mesa. Antonio estava disposto a ouvir. Veremos se estava disposto a doar mais.Comecei dizendo que a fundadora estava com ciúmes de mim e que seria bom ele ligar pra ela. Era uma forma de quebrar o gelo e não falar diretamente da solicitação. Ele deu um pequeno sorriso, mas se via que ainda estava em outro universo. Parti para a cartada radical: “O que houve Antonio? Você parece preocupado”. “Os chineses. Estou perdendo dinheiro com eles”. Perguntei interessado: “Como assim?”Antonio desabafou: “Os chineses chegam aqui com peças com preço de centavos. Tenho uma reunião agora depois desta para traçarmos um plano sobre isso”. Eu que não entendo de chineses, mas tenho noção de qual é o momento oportuno já retruquei: “Antonio, quer reagendar esta nossa reunião? Por mim não seria nenhum incômodo. Marquemos um dia que você esteja mais tranquilo…”. “Imagina!” me interrompeu. “Vamos lá, o que eu preciso é esvaziar um pouco a cabeça mesmo”. Esse truque de sugerir outro horário sempre funciona. Algumas vezes de fato reagendamos e é ótimo, em outras vezes se faz a reunião e o doador percebe a gentileza da oferta, passando a dar mais atenção a você.Já que teríamos a reunião e eu não queria gastar mais de 10 minutos explicando nossa nova campanha, sobravam alguns minutos que eu poderia usar. Eu tinha um agrado que aliviaria a tensão: a foto dele com os meninos grafitando o muro de sua fábrica. Ele pegou a foto de forma delicada, como se fosse uma espada medieval. Eu sei que naquele momento ele tinha se tele-transportado para aquele sábado. Foram 5 segundos de silêncio com ele olhando a foto e eu respirando silenciosamente para que ele não saísse do transe. “Esses meninos são maravilhosos…” Peguei a deixa. “Vão ficar ainda melhores agora”. E comecei a explicar nossa campanha anual.O Antonio, que já conhece a entidade não precisava ouvir todo o histórico, por isso dediquei-­me a explicar as melhorias do ano anterior. Falei das novas oficinas de grafite, que ele participou. Contei de alguns meninos que estavam montando uma banda e que em breve tocariam em um evento no bairro. Puxei todos os assuntos que direta ou indiretamente tem a ver com ele e com o perfil do público comprador de sua marca. Antonio é um empresário que soube aliar muito bem nossa causa com suas vendas. Ele patrocina campeonatos de skate, concursos de guitarra, enfim, está presente em diversos eventos cujo público é potencial comprador de suas bermudas e camisetas. Teve sempre a gentil iniciativa de levar-­nos em alguns desses eventos para que divulgássemos nossa ONG. Antonio é um excelente parceiro. Este ano nosso objetivo era o de ampliar o atendimento a esses jovens, que ficam conosco no contra­‐turno escolar. Ampliar em qualidade, melhorando os equipamentos que temos. E ampliar em quantidade, aumentando de 200 para 300 jovens. Esse crescimento estava calculado detalhadamente tanto pelo gestor como pela fundadora. Nossa ONG teve um crescimento exponencial quando nos atrevemos a aceitar um convênio com o governo para trabalhar com jovens em liberdade assistida. Esses jovens haviam cometido algum delito, mas eram delitos leves e por isso bastava um acompanhamento à distância. Ao menos era o que acreditávamos. Muitos desses jovens tinham problemas sérios dentro de casa, pais alcoólatras ou até familiares que haviam abusado sexualmente deles. Muitos já haviam fugido de casa uma ou algumas vezes. Nossos encontros iniciais foram frustrantes. Mas com o tempo aprendemos juntos e posso afirmar que hoje existe conhecimento técnico de qualidade e principalmente muito afeto com e entre esses jovens. Essa experiência fez a ONG crescer, como já disse, e fez-­nos perceber que o buraco é mais embaixo. Uma coisa é fazer algumas atividades com jovens do bairro, no contra­‐turno escolar. Os que aparecem são os mais interessados, os mais curiosos, mais criativos. Outra coisa é “herdar” um grupo de jovens que aparentemente não estão interessados em ser “custodiados” por nós. Para eles, nossa ONG é somente a entidade que ficou incumbida de anotar a presença deles nas atividades para passarmos essa informação para o governo. E se não aparecem, vão presos. Por um lado eles têm razão… Esse é o convênio, mas o que queremos e o que tantas ONGs querem é, a partir disso, fazer um trabalho bacana com os jovens. Algumas ONGs conseguem, outras se contentam com a burocracia em troca de recursos conveniados. Nossa ONG quer fazer um trabalho diferente, quer gerar oportunidades a esses jovens.Antonio sabia de tudo isso e do que passamos no primeiro ano, até aprender a lidar com esse novo modelo. Acompanhou nossas alegrias e frustrações. Não falávamos pra ele só dos momentos bons. Pelo contrário, ele deu excelentes sugestões em função de sua experiência com os “rebeldes” do skate e do grafite. No fundo, os jovens são rebeldes. Uns picham um muro, outros cometem um delito. Os conselhos do Antonio e a nova equipe de psicólogos e pedagogos fizeram com que déssemos um
salto de qualidade em nosso trabalho. E Antonio era pai conosco nessa mudança.Então contei pro Antonio nosso novo desafio para o ano que vem: a oficina itinerante. Queremos comprar um ônibus e modificá-­lo. Queremos atender a vários grupos em diversas áreas próximas com algumas oficinas. Queremos encher o ônibus com alguns instrumentos para oficinas ao ar livre em praças do bairro. E que ele seja colorido, que chame a atenção de quem o vê. Ele será o chamariz para levar os jovens para as praças. Disse a ele que nosso orçamento anual, na faixa dos 700 mil reais, vai saltar para 900 mil. Não para a compra e transformação do ônibus, pois isso vamos obter com outros recursos. O aumento de 200 mil reais é em função da ampliação da equipe e pela compra de equipamentos novos para as novas oficinas itinerantes. Isso vai gerar uma ampliação do nosso atendimento, por todo o bairro, que tem mais de 300 mil habitantes,quase metade deles de jovens na faixa que atuamos.Falei tudo isso e olhei nos olhos do Antonio. Tinha brilho ali. Como nos meus.Expliquei que para esse novo desafio criamos novas categorias de patrocínio entre as empresas. Criamos também uma grande movimentação envolvendo eventos de arrecadação e novos associados pessoa físicas. E por isso eu estava seguro que conseguiríamos os 900 mil. Ele continuava com os olhos brilhando, assim como os meus. Depois de não esquecer nenhum detalhe a ser dito, fui para o momento mais tenso de qualquer negociação para obter recursos. Pedi.


“Você está conosco desde sempre Antonio. Eu quero ver sua marca em destaque nesse lindo ônibus de oficinas itinerantes. Seguindo seu sucesso empresarial, vamos passar de 25 para 40 mil seu patrocínio este ano?”E olhei pra ele.E silenciei.Eu aprendi que depois que você pede, você silencia. Não há nada mais a dizer. Tudo que eu deveria dizer a respeito eu já havia dito. Qualquer coisa que dissesse agora estragaria a solicitação, pareceria desculpa, pareceria que eu teria me arrependido de pedir tanto. Esse silêncio, vivido tantas vezes por mim, ainda é assustador. Acho que sempre será. Você não sabe o que ele vai dizer e fica no aguardo. De repente ele diz algo logo na sequência, mas sempre parece que isso durou uma eternidade. Eu olhei pro Antonio e não gostei do que vi. O brilho tinha diminuído. Ele continuava simpático, mas algo havia estragado o brilho anterior… Onde errei?Ele começou a falar, me perguntou mais sobre o ônibus e puxei de minha pasta um desenho mostrando como o ônibus vai ficar. Havia pedido para meu estagiário fazer um desenho onde já constasse o logo da empresa dele em destaque, logo ao lado da porta lateral. É claro que eu poderia ter mostrado o desenho antes, mas fica mais divertido puxar o desenho depois e fazer o doador se surpreender com seu logo ali. Ele deu um sorriso e eu sorri, cúmplice. Mas eu percebia nos olhos dele que algo faltava. Seriam os chineses? Mas porque eu não consegui distraí-­lo com minha apresentação? Eu sei que esses momentos são o recreio dos executivos. Eles preferem marcar logo no início da manhã ou no fim de tarde justamente porque são momentos onde eles podem distrair-­se dos números, das demissões, dos lucros e prejuízos. Porque eu não consegui distrair o Antonio desta vez? Ele mesmo me deu a resposta: “Meu sucesso empresarial está em perigo, meu amigo. É claro que vou ajudar, mas não poderei doar 40 mil reais” Era isso. Como pude ser tão burro? Se ele começou a reunião falando dos chineses, como pude falar de sucesso empresarial no momento de solicitar a doação? Estava tão focado no sucesso da empresa dele no último ano, do crescimento da empresa, da sua viagem de férias para a Nova Zelândia, que esqueci da regra básica: Nada é mais atual do que o momento presente. Por mais sucesso que ele podia ter, naquele momento ele não sentia isso. Ele estava preocupado com os chineses. Eu sei que ele vai se safar dos chineses, mas eu deveria respeitar aquele momento de angústia, pedir de outro jeito, usar outra frase de efeito. Algo como: “Com este ônibus vamos à China e destruímos aqueles safados!” Pensando bem, essa frase também não iria funcionar…Eu queria voltar no tempo, poder tirar essa frase, começar de novo, mas já era tarde. Agora me restava recolher os cacos e garantir ao menos sua ajuda anual. Na verdade, eu tinha na minha pasta uma segunda categoria de patrocínio. Este ano havíamos decidido ter 2 cotas de 50 mil (onde queríamos que uma fosse do Antonio); 4 cotas de 30 mil; e 6 de 10 mil. No ano anterior tínhamos uma cota de 40 mil; duas de 25; e 4 cotas de 5 mil. Estávamos ousando não só em quantidade de apoiadores mas também no aumento dos valores individuais. Antonio sabia que sua empresa não era a categoria de maior valor e eu sempre senti uma pequena frustração dele quanto a isso. Eu sabia que um dia deveria oferecer essa oportunidade ao Antonio. Mas os chineses (e minha impaciência) não deixaram que fosse desta vez.Antes de mostrar a proposta de uma página contendo o valor de 30 mil, ainda perguntei: “Antonio, eu quero colocar teu logo ao lado da porta do ônibus, em destaque. Pense bem!” Ele parecia triste. Deixei a folha em cima da mesa e li junto com ele as contrapartidas: logo da empresa na parte de trás do ônibus, logo em todos os materiais impressos, 10 entradas gratuitas para os dois leilões de arte, 1 palestra para o departamento de RH do doador, etc.A diferença para a cota de 50 mil era basicamente o logo em maior destaque no ônibus e nos materiais impressos e no número de entradas, eventos, etc. A cota de 10 mil, que obviamente nem apresentei ao Antonio consistia em logo somente nos materiais impressos e algumas entradas para eventos.Ele começou a falar de outras coisas. Falou de uns jovens que cruzou em um semáforo vendendo balas e que disse a eles para visitarem nossa instituição. Imediatamente tirei um punhado de folhetos da pasta e disse a ele pra da próxima vez entregar um folheto destes. Com esse gesto eu concordava com a atitude dele. Ele começou a falar da época que era jovem, contou‐me da vez que fugiu de casa com um amigo pois queriam ir morar em Ubatuba pra viver de surf. Iam abrir um barzinho. A aventura durou 4 dias, quando acabou o dinheiro e o caseiro da casa de praia do amigo dele ligou pros pais, estranhando as conversas que eles estavam tendo.
Depois me explicou, acho que deve ter sido a terceira vez, do porque ter criado a empresa de roupas para jovens. Que ele carrega ainda essa rebeldia juvenil e que não importa se são ricos ou pobres, os jovens querem mudar o mundo, rebelando­‐se contra ele. Eu concordava a cada frase. Deixei­‐o falar alguns minutos, ouvindo‐o atentamente. Antonio sabia aproveitar seu recreio, seus poucos minutos no dia que pode pensar em outra coisa que não são os números da empresa.Olhei sutilmente o relógio do meu celular e vi que já haviam passado 30 minutos desde que sentei em sua sala. Era hora de encerrar. Comentei que ligaria pra ele em 4 dias, para que me confirmasse a doação de 30 mil reais. Ele disse para que não me importasse em ligar, que eu já poderia dar como certa a doação. Fiquei contente (fingi ficar super contente, mas preferia os 50 mil). Despedi-­me dizendo que eu tinha certeza que ele superaria o problema dos chineses. Ainda me atrevi a dizer que assim que ele tivesse conseguido resolver essa questão, que me ligasse para que eu providenciasse um logo bem grande e bonito para o ônibus. Ele riu e me disse: “Fechamos os 30 mil. Volte aqui em 6 meses e veremos se aumentamos isso, ok?” Agora sim saí contente. Quase esqueço de despedir-­me da Márcia de tão apressado. E quando percebi, dei um passo atrás e tasquei­‐lhe um beijo. E outro. E disse que esse segundo era para a Bárbara. Antonio, da porta de sua sala, riu mais descontraído. Que bom.Agora era voltar para o escritório. Ao menos consegui 5 mil a mais que o ano passado. E uma promessa de talvez aumentar em 6 meses. Para a campanha isso não serve. Terei que buscar as duas cotas de 50 mil dentro deste prazo que estipulamos de 4 meses. Uma das cotas é quase seguramente do Banco Pastor, como no ano passado. A segunda seria do Antonio, mas não foi desta vez. De qualquer forma é sempre bom sair de uma reunião com um gol feito. O dia começa bem. Vejamos como está no escritório.


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Fonte: Adaptado de Marcelo Estraviz, Um Dia de Captador.

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